CAPÍTULO:0

Toda Vez Que Eu Dou Um Passo O Mundo Sai Do Lugar

Tudo era branco, doía um pouco o olho. O ar tinha um cheiro frio nessa área da empresa, a luz também era fria. A sala de espera estava vazia, Yu era o último a ser atendido, o que não era um problema já que ele se atrasou mesmo. A participação era obrigatória, mas a pontualidade não. A porta abriu, uma... Coisa saiu. Parecia gelatina.

— Gèn Yǔ — uma voz chamou. Era a segunda vez que acertavam a pronúncia na empresa. Era uma mulher alta de cabelo longo, ela tinha a marca do tempo nos olhos e parecia muito séria. Ela foi até ele. Se agachou, olhos nos olhos e disse — chegou a sua vez, tá bem? Vem.

E foi. Dentro da sala era ainda mais frio, depois de fechar a porta, piorou. A sala era separada, era estranho. Era estranha a sensação de não sentir o tempo fora das paredes.

— É a sua primeira sessão de terapia? — Ela perguntou. O menino negou com a cabeça; Perguntou se eu queria falar alguma coisa; negou com a cabeça mais uma vez. Perguntou qual era o problema; tornou a negar com a cabeça. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e pegou uma prancheta. Jogados sobre a mesa se encontravam poucos objetos: duas canetas, lápis colorido e papéis em branco.

— Certo. Vou fazer algumas perguntas sobre sua vida passada, ok? Você tinha alguma religião?

Pergunta engraçada, essa. Era a segunda vez que ele ouvia. Gostaria de esclarecer que essa criança não era completamente sozinha nessa empresa. Não. Ele tinha um amigo, se é que podemos chamar assim. Mais uma criança perdida, essa um pouco mais problemática que ele. Estranhamente ele era o único que não parecia ser rude.

— Essa pergunta te deixa desconfortável?

Interlúdio

— Eu preciso saber se você tinha uma r░ligião. O fim da ░░▒▒ está próximo. Eu não vou viv░r pra ver, mas v▒▒ê vai, sinto muito.

— O que isso significa?

— Que eu vou mor▓▓▓ antes. A maioria não vai ter e░s▒▒ s▒rt▒▒

— Você sabe quando vai morrer?

— Claro que eu sei. Você não sabe?

— Não...

— Hm. Eu sou espec░▒▓▓

— Mas o que isso tem a ver com o que você perguntou?

— ▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓Não é v▓c▓ que eu pr▓c▓s▓ encontrar, perda de te░░░▒▒▒▒▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓

Interrogatório

A criança apertou a própria mão antes de negar. não sabia por que, mas sentia um aperto que subia do peito até o fundo da garganta e parecia ter vida própria.

— Certo. Vou ler o seu histórico então, tudo bem? — Ela esperou uma confirmação antes de olhar de volta para a prancheta. As respostas eram inconsistentes, mas de maioria negativa. A sessão continua:

— Como era sua relação com sua mãe?

— Mãe? — Aguardou uma resposta que não veio. Ela o olhava estaticamente. Ele se encolhe mais em si mesmo, — não importa. Já passou. — a voz cortava pelo aperto e só se ouvia uma versão patética dela, ele se irritava ao ouvir essa versão de si. Rosto se contorcia tentando espremer essa sensação.

— É normal sentir saudades e ficar triste, ainda mais na sua idade.

— Eu não sinto saudades.

— Certo, você tem alguma amizade na empresa? Algum relacionamento? Não se preocupe, nenhuma informação dita aqui pode ser usada como prova contra você pelo setor de relações humanas. Salvo algumas ressalvas que não sou legalmente capaz de citar.

— Nunca fiz nenhuma amizade aqui. Meu grupo quer que eu desapareça. — Ele se recolheu ainda mais em si, agora cruzando os braços e fincando os dedos nos braços até ficarem brancos. — Quero ir embora.

— Seu grupo foi dissolvido, oficialmente, há dois ciclos. — Ela virou uma página e fez um risco. — Água?

Pegou um copo de plástico que apareceu em cima da mesa e bebeu.

— Eu░não░tive░pa░▒,░ me cr▒▒ram como um s░crifíc░▒ para o d▓▓s Te░░m▒▒▓▓░p▓▓▓▓▓▓▓▓░▒▒░░▒░o░░▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓

— Como é ser um ▓▓▓▓▓▓▓▓▓▓?

— Me tratavam bem, até, mas eu n▒▒ m▓rri. Às vezes eu esc▓t▒ e▒▓ s░ss░rr░nd░ em meu ouv░▒▓. É ▒stranh▒░ É l░ent░o, mui░▒to▒ ▓l▓en▓to▓
▓▓▓▓▒▒░░ ...Talvez eu sempre tenha ouvido, mas só consegui entender agora.

— Eu fico feliz que você não morreu.

— Estranho.

Talvez você não saiba as consequências.

A tosse da criança afoga o som ambiente, sua não instintivamente aperta a própria garganta como se tentasse, em vão, impedir algo de descer.

— O que tinha na água? — Pergunta a criança, após se recuperar minimamente da sensação sufocante.

— Apenas os seus remédios, Yu. — O homem de mil olhos responde. — Você precisa se recuperar lentamente após o último acidente.

A criança tenta interpretar o ambiente ao redor, fazendo o que pode com sua visão borrada, tudo parece tão frio quanto antes. O ar queima o nariz, a luz parece forte demais. O homem o observa. Acidente?

— Acidente?

— Você quebrou as regras de segurança da empresa, se você acredita em milagres, é um milagre você ainda estar vivo. — A mente da criança dava voltas naquela sala, algo estava errado. Milagres?

— Milagres?

— Recomendamos que você repouse pelo tempo que for necessário. Novas medidas da direção removeram o prazo máximo de recuperação, então não se preocupe em descansar.

A ânsia volta. Ânsia antiga, sentia ainda em vida, sua mão aparentava estar em chamas.

— Eu preciso de ar — Tentou se levantar e sentiu todos seus órgãos se contorcendo dentro de si, logo em seguida veio a dor. Yu não era alguém de chorar em público, mas a dor venceu a trava psicológica e ali desaguou.

— Tente não se mover por um tempo, os danos foram altos.

— O que aconteceu? — Conseguiu grunhir entre os dentes, após muito esforço.

— Você não lembra? Estranho, amnésia não devia ser um sintoma. Vou precisar de mais alguns exames, tente não fazer nada estupido até minha volta.

O homem saiu, abrindo uma pequena fresta na porta por onde o tempo se esgueirou.

Nada disso é real.

Nem eu?

...